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25 de Abril de 2024

O fiasco do Parecer PA n.º 95/2015 e licença-saúde negada para servidores públicos do QM-SP

Publicado por Rodrigo Soares
há 6 anos


Nos idos de 2015, a Coordenadoria de Gestão de Recursos Humanos da Secretaria de Estado da Educação, baixou Comunicado GGP/CON nº 001/2016, a fim de orientar os órgãos subsetoriais de recursos humanos, mediante a aprovação do Parecer PA nº 95/2015, sobre como procederem na apuração da frequência dos servidores do Quadro do Magistério em relação aos dias de ausência compreendidos entre a data de protocolo da Guia de Perícia Médica e sua decisão final, bem como nos casos de licença-saúde negada.

Em resumo, o Comunicado disciplinava que deveriam ser lançadas faltas injustificadas tanto aos servidores que se encontrem aguardando a confirmação da concessão da licença para tratamento de sua saúde, como àqueles que aguardassem a decisão dos recursos administrativos interpostos.

Tal fato administrativo se estabeleceu em razão de o Departamento de Despesas de Pessoal do Estado, diante da dúvida acerca dos procedimentos corretos a serem adotados pelas sedes de controle de frequência em caso de licença para tratamento de saúde pleiteada por servidor, porém pendente de parecer final, bem como no caso das licenças publicadas negadas, decidiu encaminhar consulta à Procuradoria Administrativa do Estado de São Paulo.

Os motivos principais da consulta consistiam na análise de a quem caberia responsabilidade administrativa por pagamentos, em tese, efetuados indevidamente; sobre se o servidor público poderia se beneficiar da dispensa de reposição dos vencimentos; e se dever-se-iam ser lançadas faltas injustificadas em desfavor do servidor enquanto aguardasse confirmação da concessão da licença, ou, quando negada, houvesse a interposição dos meios recursais disponíveis.

Por sua vez, a Procuradoria Administrativa expediu o referido Parecer PA nº 95/2015, concluindo que, em suma, as unidades sede de controle de frequência deveriam lançar nos respectivos atestados de frequência faltas injustificadas ainda que pendente a decisão sobre pleito da licença para tratamento de saúde inicial ou em sede de reconsideração/recurso pelo órgão médico oficial, por, em tese, inexistência de fundamentação jurídica no ordenamento positivo paulista que versasse o contrário.

Tal Parecer foi submetido à análise posterior da Subprocuradoria Geral da Consultoria Geral, terminando acolhido pelo Senhor Doutor Subprocurador Geral do Estado.

Por conseguinte, o Parecer PA nº 95/2015 foi levado a conhecimento dos demais órgãos integrantes da Administração Pública Estadual, gerando efeitos imediatos a todos aqueles submetidos à Lei Estadual n.º 10.261/1968.

Embora, tecnicamente, o Parecer refletisse apenas um entendimento prévio do órgão consultivo, necessitando de ato homologador para gerar efeitos no mundo jurídico (algo que não foi feito) a Administração Pública de forma geral vinha acatando o ali ventilado, caso, inclusive, da própria Secretaria de Estado da Educação.

Mediante análise legal da problemática, e em defesa dos interesses da categoria, as principais entidades de classe, vinculadas aos profissionais do Magistério Público paulista, ingressaram com ações coletivas a fim de impugnar o entendimento firmado no Parecer PA nº 95/2015 – originando os processos nº 1012785-56.2016.8.26.0053, nº 1004999-58.2016.8.26.0053 e nº 1006814-90.2016.8.26.0053, já julgadas procedentes em segunda instância.

Ao contrário do entendimento firmado pela Procuradoria Estadual acerca da ausência de fundamentação jurídica no caso, consta nos artigos 41, 75 e 77 do Decreto nº 29.180/1988 que a concessão da licença para tratamento de saúde está condicionada ao parecer final da autoridade médica competente, qual deve ser colacionado na cópia da Guia de Perícia Médica – GPM – a ser entregue na unidade sede de controle de frequência no primeiro dia útil subsequente à perícia.

Artigo 41 - Toda licença para tratamento de saúde, considerada como inicial, terá como data de início aquela fixada na G.P.M. pela autoridade responsável pelo parecer final, e poderá retroação até 5 (cinco) dias corridos contados do dia anterior ao da expedição da mesma.” (g.n.).
Artigo 75 - De posse da cópia da GPM com parecer final favorável a licença, deverá o funcionário ou servidor iniciar, ou quando de retroação ou de prorrogação, continuar seu gozo, ainda que não publicada a decisão final do DPME e desde que referido parecer tenha sido proferido na forma prevista neste RPM.” (g.n.).
Artigo 77 - A cópia da G.P.M., de que trata o Artigo 75 deste decreto, deverá ser entregue ao órgão de pessoal ou unidade sede de controle de freqüência, até o primeiro dia útil, após ter sido proferido o parecer final, devendo o funcionário ou servidor ser advertido das conseqüências quando em desacordo com o disciplinado neste decreto.” (g.n.).

Logo, por conta da demora no agendamento da perícia médica e, por conseguinte, na expedição do tal parecer final – que, contrariando o comando normativo regulamentar, pragmaticamente, não é lançado na GPM –, seria absurdo aceitar o lançamento de faltas injustificadas a quem não sabe se teria, ou não, a licença concedida.

E cabe aqui elucidar que Parecer final tem conceito diferente de decisão final.

O Decreto nº 29.180/1988 conceitua as duas expressões no artigo :

- Parecer final é a “manifestação da autoridade médica competente sobre a perícia efetuada”. Em outras palavras, é a conclusão daquela autoridade, depois de realizada a perícia médica.
- Decisão final é o “pronunciamento do Departamento de Perícias Médicas do Estado - DPME sobre as licenças médicas e aposentadoria por invalidez, bem como seu enquadramento legal. Em resumo, é a publicação no Diário Oficial.

A autoridade médica competente não é o perito médico! São, portanto, profissionais distintos!

O Decreto nº 29.180/1988 também presta esse esclarecimento no artigo 37:

Artigo 37 - O parecer final sobre o pedido de licença para tratamento de saúde, observadas as normas e instruções do D.P.M.E., caberá:
I - quando de licença inicial e de primeira prorrogação da licença que implique denegação ou concessão:
a) até 15 (quinze) dias, ao dirigente da unidade da Secretaria da Saúde, indicada nos termos do Artigo 7.º deste decreto, quando a perícia médica ocorrer em sua sede, em domicílio ou em unidade hospitalar de sua jurisdição;
b) de 16 (dezesseis) a 45 (quarenta e cinco) dias, ao dirigente da unidade situada no município sede do ERSA, indicada nos termos do Artigo 7.º deste decreto, quando a perícia médica ocorrer em sua sede, em outra unidade vinculada ao ERSA, em domicílio ou em unidade hospitalar de sua jurisdição;
c) de prazo superior a 45 (quarenta e cinco) dias, a Comissão Médica do D.P.M.E., independentemente do local onde foi realizada a perícia médica;
II - a Comissão Médica do D.P.M.E., quando se tratar da segunda licença, em prorrogação, em diante, que implique denegação ou concessão.” (g.n.).

Ocorre que o sistema idealizado para a concessão de licença médica, na realidade, previa que o servidor público conseguiria agendar sua perícia médica para no máximo 5 dias, a partir da data do protocolo da Guia de Perícia Médica. E, no mesmo dia em que se submetesse à perícia, sairia do DPME munido do parecer final.

Porém, é sabido que o Departamento de Perícias Médicas do Estado não está nem perto de, um dia, conseguir cumprir com suas obrigações legais em razão da enorme demanda. Já houve épocas, inclusive, em que somente para agendar a perícia, na maioria dos casos, levava-se 90 dias. O parecer final, por outro lado, só é obtido conjuntamente com a publicação da decisão final no Diário Oficial do Estado.

Muitas tentativas já foram feitas para agilizar o atendimento da demanda. Uma delas foi a troca da Secretaria de Estado a que o DPME se submetia. Entretanto, nada disso adiantou. A ineficiência do Departamento de Perícias Médicas do Estado é notória.

Como o governo não consegue solucionar o problema do DPME resolveu então transferir a culpa para o servidor, atribuindo a ele o ônus de suportar faltas injustificadas .

Lançar faltas injustificadas, indiscriminadamente, não é medida que se alinha com os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade no caso!

E assim ficou decidido pela 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Parecer PA 95/2015, determinando que fossem consideradas como injustificadas as faltas cometidas antes da manifestação conclusiva do Departamento de Perícias Médicas do Estado sobre pedido de licença-saúde. Impossibilidade. Violação aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Eventual demora na realização da perícia pelo órgão competente é imputável apenas à Administração Pública. Impossibilidade de se repassar as consequências disso aos servidores, que em nada podem influir para acelerar o procedimento administrativo. Direito líquido e certo ao gozo de licença-saúde sem prejuízo dos vencimentos. Segurança concedida.”.

Ou seja, na hipótese de o servidor público se encontrar aguardando a definição quanto a concessão ou não da licença para tratamento de saúde, enquanto não houver publicação do parecer final em Diário Oficial do Estado, não poderão ser lançadas faltas, tampouco descontos nos seus vencimentos.

Todavia, este entendimento não se aplicará àqueles que aguardam decisão sobre pedidos de Reconsideração ou Recurso a licenças negadas ou concedidas parcialmente.

De acordo com o artigo 183 do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo, com a redação da Lei Complementar nº 1.123/2010:

Artigo 183 - Finda a licença, o funcionário deverá reassumir, imediatamente, o exercício do cargo.(NR)
§ 1º - o disposto no "caput" deste artigo não se aplica às licenças previstas nos incisos V e VII do artigo 181, quando em prorrogação. (NR)
§ 2º - a infração do disposto no "caput" deste artigo importará em perda total do vencimento ou remuneração correspondente ao período de ausência e, se esta exceder a 30 (trinta) dias, ficará o funcionário sujeito à pena de demissão por abandono de cargo. (NR).” (g.n.).

Terminado o período concedido de licenciamento, o servidor público deverá retornar imediatamente ao exercício ou, caso ainda não se encontre em condições, proceder em novo pedido de licença médica.

Além disso, não se pode esquecer que os recursos administrativos disponíveis para impugnação de pareceres finais não gozam legalmente de efeito suspensivo em regra, algo que permite a execução imediata do ato administrativo praticado.

Deve-se ter a consciência de que licença para tratamento de saúde, embora seja direito consagrado na norma legal, não é em si direito liquido e certo. É direito que depende de validação do órgão pericial médico competente. Sem tal validação, o servidor público não poderá dele usufruir.

Logo, se a concessão da licença for negada, a licença não existiu. Por lógica, todo o período em que se aguardou a emissão do parecer final precisa ser considerado como falta para fins de contagem de tempo.

Mas que tipo de falta? Esta é a questão! Falta injustificada?

De acordo com a hermenêutica aplicável às normas de Direito Público, em seara do servidorismo, aquilo que não for afastamento, licenciamento, falta médica, falta abonada ou falta justificada, será por fim considerada falta injustificada.

Nossa orientação, nesse caso, é a seguinte:

Quando o servidor for protocolar o pedido de Reconsideração, ou Recurso, deverá protocolar também nova Guia de Perícia Médica, dando origem a um novo pedido de licença para tratamento de saúde.

Ressalto que os recursos administrativos são competentes apenas para reanalise do período compreendido entre a data de protocolo da GPM e a publicação da negativa da concessão da licença médica. Logo, os dias subsequentes a publicação do ato administrativo negativo não poderão ser reconsiderados, caracterizando, definitivamente, a ocorrência de falta injustificada. Assim, para aqueles que necessitam continuar licenciados, deparando-se com o indeferimento de seu pedido anterior, é imprescindível dar inicio a um novo pedido de licença no primeiro dia útil imediatamente posterior a publicação do ato negativo em Diário Oficial do Estado.

Já no caso das licenças concedidas parcialmente, é dispensável a interposição de Reconsideração e/ou Recurso, porém, necessária a providência de protocolar novo pedido de licença em sendo necessário maior período para a restauração da capacidade laborativa.

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